domingo, 13 de janeiro de 2008

O fruto do amor está no futuro


E na ponta dos seus dedos. Sinto minha carne contra os teus dentes. O gosto de sangue e saliva que toma conta do espaço, do silêncio entre mim e você, dos meus pensamentos, das minhas virtudes, dos meus desejos, dos seus temores. Minha carne contra tua vontade, sem o seu consentimento. Teu amor sem que eu me defenda. O fruto do amor está no futuro. O amor está a espreita. O teu fruto está dentro de mim, teu segredo dourado guardado em uma capsula invisivel que eu só sei chamar de sonho. É teu corpo guardado dentro de mim por um instante indefinível, indomável, que eu só sei chamar de amor. E se seu beijo só vem quando há tormenta, e se seu beijo escapa entre lágrimas, e se minha boca pressente este beijo trêmulo, então eu sou feliz como um doente sem cura, preso na incurável obcessão de ser feliz um último dia, o último dia de vida. E morrer junto de ti, amor, como um sonho que dorme no peito de um gigante.
O amanhã é a síntese impossível. O fruto do amor está no futuro!

sábado, 12 de janeiro de 2008

Trêmulo


A mão trêmula repousada no regaço secou há pouco o suor do rosto. Pode ser que tenha pensado no amor pela última vez, como um refúgio - da mesma maneira que pensar a infância. Pode ser que sua mente vagueie pela lembrança de um rosto...
O perfil escuro na janela, recortado contra um céu de poucas nuvens, tem olhos fixos num passáro que voa partindo de seu telhado, pra atingir quem sabe a eternidade. Dentro da mente dele uma resposta trêmula se deixa prender no fundo da garganta fechada pelos anos de espera. Espera por ouvidos ávidos de respostas, de sonhos. Mas se o sonho que se pode dar não é feliz... e se a felicidade é um adágio que a vida não permitiu alcançar... O olhar do homem, desviando do pássaro para o parapeito da janela, se prende num copo de bebida. E a mulher atrás dele gostaria de estar diante de uma cabeça de vidro, fantasmagórica, através da qual os pensamentos desfilassem livres para ser vistos por qualquer observador atento. Seu coração humano é incapaz de enxergar através do escuro, mas sua alma corre tão rápido, tão rápido como se fosse possível alçar vôo, transmutar-se pássaro. Mas seu corpo permanecerá estático diante do contorno de um homem que amou há muito tempo, por muito tempo da sua vida, e que ainda agora se lhe apresenta como uma nova descoberta, como um doce desconhecido de quem é preciso aprender tudo.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Paisagem na Janela

Diante de mim passam pontes, árvores, montanhas. Passam uma, dez, duas mil vezes esta mesma colina verde e o mesmo poste. Passam horas e através dos minutos seculares seu rosto paira imutável como um segredo. Meu corpo de desloca numa velocidade que minha memória não pode acompanhar, e não há tempo para apreender seu novo sorriso. Eu não sei se vou chegar. Eu fico olhando pela janela pensando se você ainda está ai, quietinho, esperando... E eu queria que não. Porque não vou anoitecer no seu beijo. Porque não vou esquecer minhas mãos nos seus sentidos. Porque o tempo que me resta é curto como um soneto, é leve e não deixa marcas. Eu fico imaginando a qual velocidade o vento agita os seus cabelos, e se no seu rosto existe alguma imagem de sonho. E eu fico contando mentalmente quantas meias caberiam na minha mala, se eu a tivesse preparado com o objetivo de ficar.


Por que será que me sentei tão perto dela? Será que é destino? E por que ela olha tão fixamente pela janela? Na certa deve estar pensando em alguém... E porque eu disfarço meu olhar, minha curiosidade, minha vontade de sentar ao seu lado e dizer "Bom dia. Você tomaria um café comigo?"... Não, talvez ela não goste de café. Talvez não queira beber nada com um estranho num trem. Talvez não queira nada com homens. Mas ela se vestiu de um jeito tão doce... Se meus dedos pudessem agora desabotoar a sua blusa, e depois deslizar pelo seu seio... Se eu pudesse ter essa mulher.... Mas se eu nem sei quem ela é! Mas se eu nunca a vi antes. É loucura achar que um amor possa estar escondido esperando num vagão de trem. Isso seria romance. "Todos os românticos encontram o mesmo fim: cínicos, bêbados e enchendo o saco de alguém". É isso que ela certamente diria se pudesse ler meus pensamentos... Eu não quero chegar na estação. Quero me esquecer aqui te admirando, te olhando disfarçadamente pelo vidro, e te amando de leve e de longe... E eu fico aqui imaginando se em algum momento você se levantar e descer numa estação. Eu fico imaginando e tenho medo.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008


Em meio ao verde macio.
Ver de macio o seu dorso estreito, esplêndido, encerrado em um estreito círculo de pau e pedra e giz. E sonho e mágica e moinho. Os olhos do homem tecem sobre ele um véu de mistério... mas pode haver mistério algum acerca de um animal que palpita encerrado em uma cerca? Mas não era a prisão sutil que o enciumava, e sim um longo, um áspero chifre adunco sobre Sua cabeça. Seria então o chifre seu algoz maior, seu capataz? Os olhos do homem, pousados sobre o chifre, enchiam de chofre sua mente com colorações de sangue e os urros do animal cercado cercavam seus ouvidos entre gemidos.
E branco. Alva pelugem.
O unicornio, branco, quatro patas, chifre no meio da testa, pescoço enlaçado de fita, fita o verdume do bosque. Fora do quadro, o homem. Não pertence ao quadro. Não está no quadro. O olho esquerdo do animal, entretanto, parece vê-lo... Agora em minha mente penso que não o unicórnio mas o homem se deixou capturar. Como eu, captulada ante a imagem de um animal mitológico que encontrei por acaso cercada que estava de passos e máquinas de costura.

Uma tentativa de explicação

Do grego EKPHRASIS ( fora da frase), esta figura retórica é comumente definida enquanto transposição do objeto por meio da escrita, procedimento de escrita a partir de uma referência visual: o texto projetando a imagem de um quadro, real ou imaginário. Eu, entretanto, entendo que esta relação esta para muito além de uma função mimética (o que se poderia facilmente depreender do conceito acima), atingindo sim uma dinâmica texto/ imagem mais densa que superficial, e portanto mais subjetiva e analitica que puramente descritiva.
O conceito de ecfrase já é complicado o bastante para que eu teorize mais aqui sobre o tema. Digo complicado pela ausência de ensaios e estudos críticos que dele se ocupem, e que portanto amparem as idéias que sobre ele tenho. Nada melhor, portanto, que exercitá-lo e assim tentar explorar seus limites estéticos. O que vai neste blog não é exemplo de ecfrase, mas tentativa de aproximação do tema: exercício. O blog está, evidentemente, aberto a todo tipo de comentário e colaboração.