Diante de mim passam pontes, árvores, montanhas. Passam uma, dez, duas mil vezes esta mesma colina verde e o mesmo poste. Passam horas e através dos minutos seculares seu rosto paira imutável como um segredo. Meu corpo de desloca numa velocidade que minha memória não pode acompanhar, e não há tempo para apreender seu novo sorriso. Eu não sei se vou chegar. Eu fico olhando pela janela pensando se você ainda está ai, quietinho, esperando... E eu queria que não. Porque não vou anoitecer no seu beijo. Porque não vou esquecer minhas mãos nos seus sentidos. Porque o tempo que me resta é curto como um soneto, é leve e não deixa marcas. Eu fico imaginando a qual velocidade o vento agita os seus cabelos, e se no seu rosto existe alguma imagem de sonho. E eu fico contando mentalmente quantas meias caberiam na minha mala, se eu a tivesse preparado com o objetivo de ficar.
Por que será que me sentei tão perto dela? Será que é destino? E por que ela olha tão fixamente pela janela? Na certa deve estar pensando em alguém... E porque eu disfarço meu olhar, minha curiosidade, minha vontade de sentar ao seu lado e dizer "Bom dia. Você tomaria um café comigo?"... Não, talvez ela não goste de café. Talvez não queira beber nada com um estranho num trem. Talvez não queira nada com homens. Mas ela se vestiu de um jeito tão doce... Se meus dedos pudessem agora desabotoar a sua blusa, e depois deslizar pelo seu seio... Se eu pudesse ter essa mulher.... Mas se eu nem sei quem ela é! Mas se eu nunca a vi antes. É loucura achar que um amor possa estar escondido esperando num vagão de trem. Isso seria romance. "Todos os românticos encontram o mesmo fim: cínicos, bêbados e enchendo o saco de alguém". É isso que ela certamente diria se pudesse ler meus pensamentos... Eu não quero chegar na estação. Quero me esquecer aqui te admirando, te olhando disfarçadamente pelo vidro, e te amando de leve e de longe... E eu fico aqui imaginando se em algum momento você se levantar e descer numa estação. Eu fico imaginando e tenho medo.